quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Supremo deve retomar julgamento sobre homofobia nesta quinta

Sob pressão de parlamentares, o STF (Supremo Tribunal Federal) começou a julgar nesta quarta-feira (13) dois processos que discutem se o Congresso Nacional tem sido omisso ao deixar de legislar sobre a criminalização da homofobia e da transfobia. O julgamento será retomado na sessão desta quinta (14) para os votos dos relatores, os ministros Celso de Mello e Edson Fachin.
Na primeira parte do julgamento, foram ouvidos os autores dos processos, a PGR (Procuradoria-Geral da República), a AGU (Advocacia-Geral da União), o Senado e grupos favoráveis e contrários à criminalização da homofobia.
Na noite de terça (12), 22 parlamentares da bancava evangélica tiveram audiência com Toffoli em seu gabinete. Ao abrir a sessão nesta quarta, Toffoli enfatizou que os processos já estavam na pauta do plenário desde dezembro. A observação soou como um esclarecimento de que o tema não foi pautado de última hora com objetivo de afrontar o Legislativo.
A manutenção do julgamento na pauta foi vista na corte como demonstração da independência entre os Poderes. Um eventual pedido de vista de algum dos magistrados, porém, pode levar ao adiamento do debate.
Os dois processos foram ajuizados em 2012 e 2013 pelo PPS e pela ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais). O objetivo deles é que o Supremo reconheça a obrigatoriedade constitucional de tornar crime a discriminação contra pessoas da comunidade LGBT.
Se forem reconhecidas a lacuna legislativa e a suposta omissão do Congresso, os processos pedem: 1) para o STF fixar um prazo para o Congresso legislar e 2) para o STF criar um entendimento temporário de que a homofobia é análoga ao crime de racismo.
Quanto a esse pleito, os ministros poderão determinar que quem discriminar, ofender ou agredir alguém por causa de sua orientação sexual ficará sujeito às mesmas penalidades previstas na lei que define os crimes de racismo.
O advogado Paulo Iotti, representante do PPS e da ABGLT, sustentou que a Constituição exige a criminalização da homofobia do mesmo modo como exige a do racismo e da violência doméstica. “Não se pode hierarquizar opressões. Se outras opressões contra grupos minorizados são criminalizadas, a homofobia também deve ser criminalizada”, afirmou.
Segundo Iotti, o Congresso tem discutido a homofobia e a transfobia desde 2001, sem ter legislado. Ele citou casos de agressões a homossexuais e até a heterossexuais que foram confundidos com gays, como um episódio registrado em uma feira agropecuária em São João da Boa Vista (SP) em 2011.
Pai e filho estavam abraçados quando foram atacados —o pai, à época com 42 anos, perdeu parte da orelha, e o filho, de 18 anos, foi hospitalizado.“Não somos nós, LGTBI, que nos consideramos merecedores de privilégio. São homens homofóbicos e transfóbicos que nos consideram uma raça maldita a ser exterminada”, disse.
O advogado afirmou ainda que o objetivo não é prender padres e pastores que dizem que a homossexualidade é pecado. “A ideia é: não queremos criminalizar a liberdade religiosa de ninguém, dentro ou fora das igrejas. Mas não queremos que a igreja seja um âmbito de discursos de ódio.”
O advogado Luigi Braga, da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), afirmou, em sua sustentação, que gostou de ouvir o esclarecimento de que religiosos poderão continuar indo ao púlpito e pregando sua fé.
Para ele, no entanto, isso não está claro nos processos.“Ninguém aqui está sustentando o abuso, o direito de menosprezar individualmente qualquer homossexual ou transexual. O que não queremos é ser punidos por um fato social [os livros sagrados, como a Bíblia, o Alcorão e a Torá]”, afirmou.
Em seguida, os representantes da Frente Parlamentar Mista da Família e Apoio à Vida, contrária aos pedidos formulados ao STF, defenderam a liberdade de expressão, de pensamento, de crença e de consciência —que, para eles, estaria em risco com a criminalização da homofobia.
“Esta corte não pode admitir que um homicídio ou agressão gratuita [casos citados por Iotti] seja levado em conta como se isso fosse uma regra geral, como se vivêssemos no caos ou sob as hostes nazistas. Os homossexuais convivem harmonicamente na sociedade, tocando bumbo, ofendendo a Jesus Cristo, e nem por isso são atacados”, disse Cícero Gomes Lage.
“Dizer que há racismo, usar um tribunal para isso, quando temos o Congresso Nacional para resolver esse tipo de questão? Por que o PPS não busca votos na sociedade para formar maioria [no Congresso]? A sociedade brasileira o rejeita democraticamente, e então [o partido] vem buscar por uma via oblíqua, transversa, inadequada. Na verdade, o que o PPS quer são os votos da comunidade gay”, completou.
Walter de Paula e Silva, também representante da frente parlamentar, afirmou que toda violência contra qualquer pessoa já é punível, conforme as leis vigentes. “Não há omissão inconstitucional do Congresso, não há omissão parlamentar, não há mora legislativa”, disse.
A advogada Ananda Puchta, que falou pelo Grupo Dignidade, respondeu ao pronunciamento dos juristas evangélicos, que disseram que no Brasil também há perseguição por causa de religião. “Evangélicos sofrem, sim, preconceito. Mas não morrem por professarem a sua fé. Nós morremos, e não há nenhuma legislação para nos proteger”, disse Puchta.
Em sua primeira sustentação oral no Supremo, o novo ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), André Mendonça, reafirmou o entendimento de gestões passadas do órgão. Para Mendonça, não há omissão do Congresso.
“Inexiste qualquer comando constitucional expresso que exija tal tipificação criminal específica”, afirmou. Em sua avaliação, ainda que houvesse omissão, o Supremo não poderia preencher essa lacuna, porque só o Congresso pode legislar, sobretudo em matéria penal.
Por fim, o advogado-geral afirmou que o princípio da separação dos Poderes precisa ser observado. “Cabe exclusivamente ao Congresso decidir sobre o tempo e a oportunidade de legislar sobre determinada matéria”, disse.
Representante do Senado na sessão, Fernando César Cunha, seguiu a mesma linha. “A Constituição não confere competência ao Poder Judiciário para criar novos delitos, para criar lei ou aprimorar lei já existente”, afirmou.
Segundo Cunha, a questão da homofobia não é ignorada pelo Senado. Ele relatou que a Casa criou um canal na internet para cidadãos apresentarem ideias legislativas e que uma delas, que pedia a criminalização da homofobia, foi acolhida pela Comissão de Direitos Humanos e passou a tramitar como projeto de lei em 2017.
Por fim, o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, defensor da criminalização da homofobia, disse que o Supremo não deve se acovardar, porque sempre teve “a grandeza de olhar os pequenos”.
“Quatrocentas e vinte mortes são poucas porque há 60 mil mortes no Brasil? Essas pessoas foram mortas porque são pessoas, pelo que elas são, não porque tenham feito algo. Há, portanto, a vitimização porque são pessoas. Quanto [de mortes] será necessário para entender que já morreram pessoas demais?”, disse Maia.
Rebatendo as críticas de que o tema não cabe ao Supremo, Maia sustentou que, diferentemente do Legislativo e do Executivo, que são escolhidos diretamente pelo voto popular, o Judiciário tem outra legitimação, que é o zelo pela Constituição escrita por representantes eleitos pelo povo.

Folhapress

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